Judicialização da Saúde: um reflexo dos avanços médicos e dos desafios legais no Brasil

No Brasil, a saúde é um direito constitucional garantido a todos. No entanto, a velocidade com que a medicina evolui, trazendo tratamentos inovadores e medicamentos de alto custo, tem colocado o sistema jurídico no centro de um debate delicado: como equilibrar o direito ao acesso à saúde com os limites técnicos, financeiros e regulatórios?

Nos últimos anos, o número de ações judiciais relacionadas à saúde tem crescido de forma expressiva. Dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que, apenas em 2023, foram protocoladas cerca de 570 mil novas ações envolvendo questões médicas — sendo mais de 200 mil delas referentes à saúde suplementar.

Esse fenômeno, conhecido como judicialização da saúde, surge principalmente quando pacientes buscam na Justiça o acesso a tratamentos ou procedimentos que, muitas vezes, não estão previstos nos contratos ou protocolos clínicos. O cenário se agrava à medida que a população envelhece, exigindo maior uso de serviços médicos e terapias complexas.

Impactos múltiplos e desafios regulatórios

A judicialização afeta diretamente o equilíbrio econômico dos contratos de planos de saúde. As decisões judiciais que determinam coberturas além das previstas, sem o devido planejamento orçamentário, geram dificuldades tanto para as operadoras quanto para os beneficiários, que podem sofrer com reajustes e restrições futuras.

Especialistas e representantes do setor apontam que a instabilidade regulatória contribui para o aumento das ações. Um dos principais exemplos é a atualização frequente do rol de procedimentos obrigatórios, que serve de base para o dimensionamento de custos pelas operadoras.

Essa atualização contínua exige adaptações rápidas, nem sempre acompanhadas de estudos de impacto. Além disso, o Judiciário enfrenta o desafio de decidir sobre tratamentos de alto custo sem, muitas vezes, contar com conhecimento técnico especializado — o que torna o problema também jurídico e ético.

Busca por soluções estruturais

Frente a esse cenário, entidades representativas propõem medidas para reequilibrar o sistema. Entre elas, destacam-se a revisão da legislação dos planos de saúde, em vigor desde 1998, e o fortalecimento da comunicação entre o setor e a sociedade.

Outro ponto essencial é a criação de instrumentos de apoio técnico às decisões judiciais. Isso permitiria maior alinhamento com diretrizes clínicas, garantindo acesso racional aos tratamentos e sustentabilidade para o sistema, público ou privado.

Consequências também no sistema público

Embora muitas ações envolvam operadoras privadas, a judicialização também afeta o SUS. É comum que pacientes iniciem tratamentos particulares e recorram ao sistema público para continuidade, o que pressiona os recursos e prejudica o planejamento das políticas de saúde.

Especialistas alertam que o direito à saúde não deve ser confundido com acesso irrestrito a todas as tecnologias. O grande desafio é estabelecer critérios técnicos, justos e transparentes para que o sistema funcione de forma sustentável.

O papel das decisões judiciais

A complexidade das demandas torna a atuação judicial ainda mais sensível. A ausência de formação técnica em saúde dificulta a análise de evidências científicas e dos riscos envolvidos. Muitas decisões acabam sendo tomadas com base em apelos emocionais.

Por isso, cresce a necessidade de apoio técnico aos magistrados. Mais do que uma questão judicial, a judicialização da saúde reflete os desafios coletivos em lidar com a evolução da medicina dentro dos limites possíveis. A solução depende da colaboração entre os diversos agentes envolvidos.

Dra. Juliana Budke | Budke & Diniz Advocacia de Negócios

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