A Revogação da Súmula 102 do TJ-SP e seus Reflexos no Direito à Saúde

A possível revogação da Súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) promete marcar uma nova fase no cenário jurídico relacionado à saúde suplementar. Durante anos, essa súmula foi essencial ao estabelecer a interpretação de que os planos de saúde deveriam cobrir, independentemente de estarem ou não no rol da ANS, os tratamentos considerados necessários quando indicados por profissionais médicos. Essa súmula foi um instrumento importante para a defesa dos direitos dos consumidores, mas a sua revogação aponta para mudanças significativas, que exigem uma análise mais rigorosa, especialmente no que diz respeito à comprovação científica de tratamentos não listados no rol da ANS.

A Transição para um Novo Modelo

Com a iminente revogação da Súmula 102, o foco da discussão passa a ser a adoção de uma análise mais técnica e fundamentada sobre a cobertura de tratamentos fora da lista da ANS. Não se trata de uma negação do direito à saúde, mas de uma exigência de que os procedimentos fora do rol da ANS sejam respaldados por evidências científicas claras. O objetivo dessa mudança é garantir que apenas tratamentos realmente necessários e cientificamente comprovados sejam cobertos, evitando que sejam autorizados tratamentos controversos ou sem eficácia comprovada.

A Lei 14.307/22, que alterou a Lei 9.656/98, trouxe uma mudança crucial na forma como o rol da ANS deve ser interpretado. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a adotar a ideia de que o rol da ANS é “exemplificativo condicionado”, ou seja, ele pode ser flexibilizado se forem atendidos critérios claros, como a comprovação da indispensabilidade do tratamento e a evidência científica que respalde sua eficácia.

A Importância da Comprovação Científica

Durante anos, a negativa de cobertura de tratamentos fora do rol da ANS era considerada abusiva, sem uma análise concreta das evidências científicas por trás do pedido. Esse modelo, embora tenha gerado benefícios para a proteção dos consumidores, também criou uma presunção de abusividade que não se baseava sempre na realidade dos casos. Essa abordagem levou a distorções, como a possibilidade de se pedir judicialmente a cobertura de tratamentos que não eram realmente necessários ou eficazes.

A revogação da súmula 102 visa superar essa “abusividade abstrata”, permitindo que o Judiciário exija provas científicas claras de que um tratamento não listado é essencial para o paciente. O STJ, ao julgar casos como o REsp 1.733.013-PR, já havia sinalizado que o rol da ANS não deveria ser tratado de forma taxativa e que, quando necessário, seria possível ultrapassar essa lista desde que o tratamento fosse devidamente justificado por parâmetros científicos.

O Novo Modelo de Análise Jurídica

O novo entendimento sobre o rol da ANS traz uma qualificação do debate jurídico, já que agora não basta alegar a necessidade do tratamento; é preciso apresentar evidências concretas que provem a sua eficácia e segurança. Os critérios estabelecidos pela Lei 9.656/98, como os incisos I e II do §13º do artigo 10, indicam que, para superar o rol da ANS, é necessário comprovar que o tratamento é indispensável para a saúde do paciente e que ele possui respaldo científico, seja por meio de estudos, seja por recomendações de órgãos competentes, como a CONITEC.

Essa exigência coloca um filtro técnico no debate sobre a saúde suplementar, focando na segurança e eficácia dos tratamentos, ao invés de simplesmente garantir a maior cobertura possível. O objetivo é proteger o consumidor, assegurando que ele tenha acesso ao que realmente é essencial para o seu bem-estar.

Fim da Judicialização Baseada em Alegações Genéricas

A revogação da Súmula 102 do TJ-SP reflete uma mudança na judicialização da saúde. Antes, muitos casos eram decididos sem uma análise aprofundada das necessidades do paciente ou das evidências científicas por trás dos tratamentos solicitados. Com a nova realidade jurídica, o Judiciário passará a exigir uma fundamentação sólida e científica para que tratamentos não previstos no rol da ANS sejam autorizados.

Isso não significa que os consumidores perderão acesso a tratamentos inovadores ou que ainda não estão listados, mas sim que será necessário demonstrar, de forma clara e objetiva, a necessidade do procedimento para a saúde do paciente. Esse novo modelo visa proteger os consumidores de tratamentos desnecessários ou sem eficácia comprovada, ao mesmo tempo em que assegura o acesso a procedimentos realmente essenciais.

Conclusão: Qualificação do Debate e Proteção ao Consumidor

A revogação da Súmula 102 do TJ-SP não deve ser vista como um retrocesso, mas como uma evolução no entendimento jurídico relacionado à saúde suplementar. A exigência de comprovação científica para a cobertura de tratamentos fora do rol da ANS garante que as decisões judiciais sejam baseadas em evidências concretas, protegendo os consumidores de práticas prejudiciais ou desnecessárias. Ao mesmo tempo, permite que o sistema de saúde suplementar continue a oferecer o que é realmente necessário para os pacientes, sem abrir espaço para tratamentos sem respaldo científico ou que atendem a interesses que não são os do próprio consumidor.

A nova abordagem estabelece um equilíbrio entre o direito à saúde e a responsabilidade do Judiciário, médicos e operadoras de plano de saúde. Ao exigir a demonstração clara da indispensabilidade e da eficácia dos tratamentos, a revogação da Súmula 102 marca um passo importante para garantir um sistema de saúde mais justo e eficiente, que realmente atenda às necessidades dos consumidores de maneira fundamentada e responsável.

Dra. Rejane Diniz | Sócia Fundadora
Budke & Diniz Advocacia de Negócios

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